Como mudar hábitos, de acordo com a neurociência

Postado em 28 de mar de 2024
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Há décadas a psicologia e a neurociência investigam como os hábitos se formam – e como podem ser mudados. 

Várias estratégias foram desenvolvidas ao longo dos anos, aqui serão destacadas quatro: visualizar mentalmente os passos necessários para realizar uma nova atividade; aproveitar as horas do dia em que há um aumento na produção de noradrenalina; alterar o ambiente para criar estímulos à adoção de novos comportamentos; e fazer um controle de hábitos.

Todas facilitam a criação ou a mudança de hábitos, mas é preciso lembrar que não se trata de uma fórmula. Cada pessoa vive em um determinado contexto, com os seus objetivos e desafios, além de ter um tempo próprio para criar um hábito.  

Continue a leitura para saber mais!

 

Por que é tão difícil mudar um hábito?  

Mudar um hábito é difícil devido à tendência do nosso cérebro de poupar energia. Estima-se que um quinto da nossa energia seja consumida pela atividade cerebral. É muito, não é mesmo? 

Por isso que adotamos hábitos em nosso dia a dia, sejam eles bons ou ruins. Um hábito nada mais é do que um padrão de comportamento que é exercido pelo indivíduo com facilidade, quase de forma inconsciente, o que dá agilidade ao processamento de informações. 

Para a psicologia e a neurociência, todo hábito já foi um “comportamento orientado a objetivos”. Ele entra em ação em situações novas do dia a dia, quando temos que realizar uma tarefa que nunca fizemos antes ou pegar um trajeto diferente para chegar ao trabalho.

Nesses cenários, nos mantemos mais alertas e somos guiados por um propósito claro e definido. Quando alcançamos esse objetivo, nosso cérebro (especificamente a região do núcleo accumbens) aciona o sistema de recompensa e acaba fazendo uma associação ação-resultado.  

A repetição desses comportamentos orientados a objetivos leva à codificação da associação ação-resultado em circuitos neuronais mais eficientes. Com o tempo esses comportamentos se tornam automáticos, ou seja, se transformam em hábitos. 

As regiões do cérebro humano que são ativadas no processo de automatização de comportamentos são o estriado dorsal e o córtex pré-frontal. O primeiro é responsável pela formação da associação entre estímulo e resposta, enquanto o segundo atua no monitoramento e tomada de decisão. 

Finalizado o processo, o hábito constituído libera espaço de processamento cerebral, possibilitando ao cérebro focar em tarefas mais complexas ou em reter novas informações.

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O tempo necessário para mudar um hábito  

O tempo necessário para mudar um hábito é muito individual e depende do padrão de comportamento que será alterado. Não há uma quantidade exata de dias que valha para todas as pessoas e para todas as ações. 

Você já deve ter ouvido que bastam 21 dias para mudar um hábito. Essa ideia veio de uma interpretação equivocada do livro "Psicocibernética” (1969) do cirurgião plástico americano Maxwell Maltz (1899-1975). O mito se originou do relato de Maltz sobre o tempo que seus pacientes levavam para se acostumar com a aparência após uma cirurgia plástica, que era de... Adivinha? 21 dias.

Em 2009, pesquisadores do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da Universidade de Londres publicaram um estudo que chegou à média de 66 dias para se mudar um hábito. Mas, como os próprios autores frisam, se trata de uma média, pois os 96 participantes da pesquisa levaram de 18 a 254 dias para automatizar um comportamento.

Mais recentemente, pesquisadores da Caltech, da Universidade de Chicago e da Universidade da Pensilvânia mostraram que a média de tempo para mudar um hábito varia de acordo com a atividade.  

Eles analisaram os dados de mais de 30 mil frequentadores de academias que treinaram cerca de 12 milhões de vezes em um período de 4 anos. A conclusão foi de que uma pessoa leva 6 meses, em média, para criar o hábito de ir à academia. 

Outro conjunto de dados analisado, a efeito de comparação, foi o de 3 mil profissionais da saúde que atuam em hospitais. Em conjunto, eles lavaram as mãos mais de 40 milhões de vezes durante 100 turnos. O estudo concluiu que, para criar o hábito de lavar as mãos, são necessárias poucas semanas.  

Para chegar a essas médias, os pesquisadores usaram ferramentas de machine learning. O estudo é de 2023 e pode ser acessado aqui.

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4 estratégias para mudar um hábito comprovadas pela neurociência 

Existem várias estratégias para mudar um hábito. Aqui separamos quatro que têm como base pesquisas e que são recomendadas por neurocientistas: 

1. Mentalize as etapas do hábito que você quer criar 

Você quer acabar com o hábito de mexer no smartphone após se deitar para ter uma noite de sono melhor? Ou quer sair do sedentarismo e praticar corrida de rua? 

Uma boa estratégia é emular a memória procedural, responsável por armazenar a sequência de ações necessárias para se chegar a um resultado. Como? Visualizando mentalmente os passos necessários para executar a atividade que você gostaria de transformar em um hábito. 

Esses passos devem ser bem específicos. No exemplo de deixar o smartphone de lado para dormir melhor, vale mentalizar uma rotina de higiene do sono. Colocar o celular em outro cômodo da casa, ir para o quarto, ler um capítulo de livro, exercícios de respiração... Faça uma visualização mental de todas essas etapas. 

O mesmo deve ser feito para começar a praticar uma atividade física. Mentalize que você vai se levantar da cama, tomar café-da-manhã, se vestir com roupas adequadas para a prática, correr determinado percurso com uma quilometragem específica em um tempo determinado. 

A estratégia de mentalização das etapas ajuda a superar a resistência do cérebro de gastar energia. Fazer essa prática ao menos uma vez já aumenta as chances de adquirir ou mudar um hábito. 

O funcionamento dela e o papel da memória procedural na formação de hábitos estão bem descritos em artigo de 2016 publicado na Annual Review of Psychology.

2. Divida o seu dia em três fases para organizar a mudança de hábito 

Essa segunda estratégia é um programa desenvolvido pelo neurocientista Andrew Huberman. Ela consiste em dividir as 24 horas do dia em três fases:

  • Fase 1: 0 a 8 horas após despertar 
  • Fase 2: 9 a 14 horas após despertar 
  • Fase 3: 16 a 24 horas após despertar 

Esse programa considera que, na média, as pessoas vão dormir às 22h e acordam às 7h, considerando duas horas a mais ou a menos para ambos os horários. 

As principais características de cada uma das fases são: 

Fase 1 

A fase 1 tem como assinatura neuroquímica a elevação dos neuromoduladores norepinefrina e epinefrina (também conhecidos como noradrenalina e adrenalina), além da dopamina. Eles nos ajudam a manter um estado de alerta e de foco, em especial se combinados à exposição à luz solar pela manhã, à prática de exercícios físicos, a banhos gelados e à ingestão de alimentos ricos em tirosina nesse intervalo de horas da fase 1. 

Essa elevação dos neuromoduladores facilita se engajar em atividades consideradas “muito cansativas” para o cérebro, ou seja, ações que queremos transformar em novos hábitos. Pode ser escrever relatórios, planejar um novo projeto para o trabalho ou assistir a uma aula de pós-graduação. 

Não é necessário criar uma rotina rígida para essas atividades – por exemplo, estudar sempre entre às 9h e às 11h da manhã –, mas é interessante tentar realizá-las até 8 horas após acordar. 

Fase 2 

Durante a fase 2, a quantidade de norepinefrina e epinefrina tende a diminuir, assim como os níveis de cortisol. Já a serotonina tende a aumentar, nos deixando em um estado mais relaxado. 

É o período ideal para a geração e consolidação de hábitos relacionados a atividades criativas, como sessões de brainstorming no trabalho, cozinhar, estudar um novo idioma ou aprender a tocar um instrumento musical. Para Huberman, essas atividades encontram menos resistência do cérebro em consumir energia, já que exigem um tipo de esforço diferente se comparadas às ações da fase 1. 

A fase 2 também é uma preparação para a etapa seguinte, que está ligada à qualidade do sono. Por isso, entre 9 e 14 horas após acordar, é importante diminuir a exposição a luzes brancas, incluir práticas de mindfulness, tomar um bom banho quente e não ingerir bebidas ou alimentos com cafeína. 

Fase 3 

A fase 3 é crucial para a consolidação dos hábitos que você tentou criar nas fases 1 e 2. Ela contempla o período em que devemos entrar em sono profundo para que a neuroplasticidade (a capacidade dos nossos cérebros de se ajustar a novas situações) ocorra de forma mais efetiva.  

Para que isso aconteça, é preciso que o local em que você vai dormir seja escuro e silencioso. O ambiente também deve ser fresco para permitir que a sua temperatura corporal caia, o que ajuda a iniciar e manter o sono. 

Passada a fase 3, o ciclo se inicia novamente até que o hábito se consolide – o que não significa que você não possa manter essa rotina depois de conquistar o seu objetivo. 

3. Adicione ao ambiente os gatilhos que vão ajudar a formar ou mudar um hábito 

Mudar um hábito fica mais fácil quando intervimos no ambiente, conforme um artigo de revisão de 2018 publicado no periódico científico “Current Opinion in Behavioral Sciences”.

A ideia é incluir algum gatilho no ambiente que nos estimule a realizar um comportamento que queremos transformar em hábito, em vez de simplesmente contar com a força de vontade. 

Vamos pensar em alguns exemplos simples. Se o seu objetivo é criar o hábito de beber mais água, deixe uma garrafa ao lado do seu notebook enquanto trabalha. Ou se você quer trabalhar menos para quebrar um ciclo de produtividade tóxica, desinstale do seu smartphone pessoal os aplicativos relacionados ao trabalho, como apps de mensagens e conta de e-mail profissional.

Incluir um gatilho que ajude a formar um novo hábito veio do modelo de loop do hábito, descrito pela primeira vez por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em 1999 e popularizado no livro “O Poder do Hábito” (2012), do jornalista Charles Duhigg.

O loop do hábito tem os seguintes estágios: 

  • Gatilho: um estímulo que leva a execução de um comportamento automatizado. Pode ser um cheiro, uma imagem, um estado emocional... 
  • Desejo: o estímulo desperta o desejo por um determinado resultado que é considerado recompensador. Nos motiva a agir. 
  • Resposta: são realizados comportamentos ou ações considerados necessários para se chegar ao resultado. 
  • Recompensa: satisfaz o desejo inicial e reforça o gatilho inicial, tornando-o ainda mais estimulante para realizar o mesmo comportamento. Também serve como feedback para o cérebro, que difere os resultados benéficos dos prejudiciais.

4. Faça um controle de hábitos

O controle de hábitos (ou "habit tracker", em inglês) é uma ferramenta de registro das vezes em que nos comportamos da forma desejada, sendo uma estratégia poderosa de mudança de hábito.

evidências de que essa ferramenta aumenta as chances de mudar e de criar novos hábitos. O principal motivo é que ela permite a visualização do progresso ou de recaídas recorrentes, permitindo assim uma adaptação nos planos.

Você pode fazer um controle de hábitos analógico – com papel e caneta – ou digital. Existem vários aplicativos gratuitos disponíveis, como:

Quem prefere o papel e a caneta pode fazer o controle de hábitos em um caderno, em folhas de fichário ou em um planner. Muitos planners, aliás, já oferecem o controle de hábitos em uma das folhas. 

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Tenha em mente que a criação e a mudança de hábitos são um processo. Eles exigem paciência e constância. 

Por ser tão difícil mudar um hábito, o indicado é começar com pequenas ações: beber um copo d’água ao acordar, olhar o celular só depois do café da manhã, sair para caminhar por 30 minutos... Quando elas estiverem automatizadas, dá para tentar mudar um hábito mais complexo.  

Falhou em algum dia? Não se cobre demais e tente novamente no dia seguinte. O importante é dar o primeiro passo e buscar conhecimento. Boa sorte na sua caminhada!

Olívia Baldissera

Por Olívia Baldissera

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Jornalista e historiadora. É analista de conteúdo do Blog do EAD.